Contingência


Faço de conta que acredito

Sorrio a contradito sabendo a real

Não embarque nessa de esperta, querida

Sei o que se passa no meu quintal

 

Não aches que o silêncio é cordato,

Não pense que o sorrido é adendo

Eu sinto na pele aquilo que fazes

Sangro aos poucos sofrendo

 

Quando chegar o dia do fim, não finjas surpresa

Em cada detalhe, em cada ofensa

Estás minha justificativa. Não bobo, não desatento. Fui.

Sou artista, o poeta, o cantor, o ator. Por isso depois que a verdade cair sobre mim, a transformarei.
Não em mentiras, mas em fachos de luz, de riso, de choro.
O indizível será ressignificado em cores, em sons e sensações.
Farei com que isto se espalhe. Tocarei os corações, serei a ponte até a alma.
Através de mim, todos serão verdade. Sem o saber, sem o dizer.
O único caminho é aquele que não se parece com tal. Para tocar a alma é preciso atravessar o escudo do desacreditar.
E para fazer-se tocante, para exercer o tocar. Somente se transformando.
Transformar-se em arte. Sendo artista. Sendo só coração.
A verdade está no sentir-se. No permitir-se. E pra quem o consegue, essa não é uma opção. É o único caminho.
***
A verdade vem. Atinge. Transforma. Ressignifico. Espalho. Toco. Mudo os outros.

 

Hoje fui acometido por uma incontrolável vontade de comer quindim. Infelizmente a dor na coluna não me permitia ir buscar o doce.

Lembrei que tinha ovos e açúcar, não podia ir muito mais que isso na receita.

Peguei o livro de receitas da Dona Benta, onde tem quase tudo. Dei uma olhada em algumas receitas, mas acabei me distraindo antes de encontrar a que queria e fui fazer outras coisas

O livro ficou em cima do sofá.

Descansei mais um pouco, mais alguns alongamentos e analgésicos fazendo efeito. Voltei a sala e  vi um post-it no livro. Fiquei curioso, que receita estaria marcada?

Não era minha letra, a receita era “Picadinho de Carne com Batatas”. Tão simples, tão fácil, tão significativo neste momento, neste apartamento vazio.

Tivemos 1723 dias, 1723 noites. Juntos. Não lembro de um dia sem conversarmos, usando o meio que fosse. Acho que uma receita simples, uma coisa pequena que mudamos, que aprendemos.

E assim, num rodapé, vem tanta coisa encadeada, tantas memórias e imagens e cores.

Cores que tá tão difícil ver nestes primeiros 121 dias depois do fim.

E ele acordou.
O céu com nuvens, era o mesmo do último dia que lembrava, mas sabia que não tinha sido apenas uma noite de sono.
A casa era estranha e o lugar silencioso, estava só entre lençóis que traziam uma vaga lembrança.
Mas onde estava? Quem era? E o mais importante, quando era?
Os olhos ainda nebulosos do sono recém desfeito, a vista embaçada da miopia, velha companheira o fizeram aos poucos perceber, que aquele estranho lugar era estranhamente familiar.
Encontrou o espelho e se reconheceu, porém, onde estava a barba? De onde vieram as rugas? Como conquistara tantos cabelos brancos?
Aos poucos as lembranças foram se ligando e pequenos fragmentos de pensamento se encaixando, estava reconstruindo o caminho que percorreu até chegar ao lugar onde agora se encontrava.
Ele estava dormindo ensimesmado enquanto a vida passava, e agora, sem qualquer explicação conseguia finalmente guiar seus passos.
Era agora o autor de seus atos, força motriz de cada passo. Não mais seguia por um caminho sem direção onde não se sabe por onde trilha e menos um pouco o porque se faz.
Não precisava mais fazer cada ato sem saber porque, e podia fazer o que bem entendesse. As amarras que nunca existiram se desfizeram num acordar qualquer.

Não haviam motivos para pena de prisão que cumpriu dentro de si mesmo, tampouco qualquer resquício de explicação para o porque de acordar assim, agora, tanto tempo depois.
Não buscava isso, estava comodo seguir um caminho sem decisões, ou pelo menos sem esforço para tal, se nada se faz, de um jeito ou de outro algo é feito. Era essa a certeza que tinha ao ir lembrando de onde estava. A maior descoberta e mais assustadora foi perceber que não tinha mais volta, depois de acordado e consciente, voltar deixa de ser uma escolha.
Não, não era ruim o caminho que percorreu, mas porque não viveu isto? Porque aquela manhã era a descoberta de todo tempo que perdeu sem perceber que o tempo passava, que a vida seguiu? O que faria diferente, o que fará agora?
Ter consciência pode ser um problema, mas não é mais uma opção, agora ele existe dentro de si, e é o fim da mecanicidade que o levou até ali.

(segue)

Sou um apaixonado pelo futebol.

Nunca fui um  craque ou nada do gênero, mas sempre gostei de jogar. Na adolescência, o futebol na rua consumia mais tempo que a escola, dava mais alegria que doces ou presentes novos, a menos que o presente fosse a tão desejada bola de futebol.

Sem muita força me lembro de muitas das partidas e tardes que passei jogando. Sem querer ganhar ou perder, apenas querendo jogar. Correr, driblar, dar um bom passe mas sempre tive uma adoração maior pelo gol.

Seja numa goleira de cinco palmos na praia, seja um futebol de salão ou de sete, sempre gostei da sensação de voltar pro campo de defesa depois de marcar.

E fui bom nisto.

Pelo período da faculdade, depois de várias tentativas de marcarmos um bom horário, conseguimos encontrar. Sábado pela manhã.

Tendo ou não festa na sexta, sábado oito e meia estava numa quadra do lado oposto da cidade para jogar bola. Era, invariavelmente, atacante. Corria muito, me desmarcava e raras vezes perdia gols feitos ou fáceis. Tentava firulas que não dominava muito, um chapeuzinho, um toque de letra, gol de calcanhar. Me divertia demais, cansava, ficava exausto e mandava um Gatorade de laranja depois do jogo.

O campo era sintético, coberto, e no maior calor, jogávamos no verão, nos dias mais frios do inverno, jogávamos. Era meu momento da semana, em que a mente esvaziava e pensava tão somente no futebol. Ah, a sensação de marcar e voltar pro campo de defesa sendo cumprimentado, o cabelo balançando, o suor escorrendo, o corpo cansado e o que prevalece é a alegria, a satisfação.

Não me esquecerei disso. Esse blá, blá, blá é porque hoje, sentado esperando e conversando com meu pai ele comentou se a hérnia de disco que apareceu em mim não poderia ser fruto de um tombo, a queda que tive no futebol, a primeira e mais séria, que minhas costas doeram pra valer pela primeira vez.  E levantou a hipótese que poderia estar tratando da forma errada minha hérnia.

Não contive o pensamento de que uma solução mais rápida e mágica é possível. E depois comecei a lembrar do futebol. E depois lembrei da dor. E depois pensei que não há cura mágica. E que provavelmente não voltarei a jogar como antes, se conseguir voltar. E me veio a idéia de que a dor é a companheira dos sábados pela manhã, e o que tinha, não será mais o mesmo. E aqui estou escrevendo.

No Olímpico, me sinto em casa.

As pessoas em volta com algo em comum, algo forte, que move, fascina, faz sonhar e sofrer.

A alegria une as pessoas, mas com certeza a dor é mais eficiente nisso.

Hoje estava só em casa, no Monumental, sem amigos, sem ninguém por perto que me conhecesse e assim, me senti livre, depois de tanto tempo preso no olhar dos que me reconhecem.

É bom ser mais um na multidão, sem palco, sem holofotes. Apenas eu e meu Grêmio.

Eu consigo pensar, sentir melhor eu mesmo. O silêncio do meu quarto é agonia, o canto no estádio é tranqüilidade.

***

Bem, e quanto a pequena que vinha me aporrinhando a tranqüilidade, sobretudo no silêncio é agora um mal superado.

Poucos problemas resistem a um bom processo de racionalização.

Logo, o lugar ao lado está vago; *-*

Só o meu mundo perfeito

Tem derrotas perfeitas

Humilhações completas

 

O tempo passa e cada minuto

Torna mais forte a certeza de que

                        Sou desnecessário

 

Minha vida se mostra um quebra-cabeça

Porém há peças sobrando

E uma delas sou eu

11/06/2004

De ontem a noite para hoje aconteceram coisas que me fizeram pensar, logo coisas ruins. Pude concluir algumas coisas, a primeira deriva de um acidente, esqueci meu celular em casa, fiquei desplugado do mundo o dia todo e pensando, “se alguém me procurar?”, é estranho, nos prendemos a essas coisinhas e acabamos ficando reféns, cada vez que queria ver a hora, procurava na mochila nada, tinha que perguntar pra outras pessoas que pegavam seu respectivo aparelho e respondiam sorridentes, certamente um deboche inconsciente com o esquecimento da minha pessoa. Ao chegarem casa só me lembrei do aparelhinho quando estava na ama pronto para dormir, levantei esbarrando na cadeira, peguei ele e vi o que tinha certeza, mas temia. Nenhuma chamada, nenhuma mensagem. Não foi surpresa, foi constatação, confirmação, mais um dado pra reforçar o que eu penso e provar que minha visão não tem nada de distorcida da realidade. Bom, o pouco sono que havia se foi, fui para o super Y!mail, lá não é surpresa encontrar a caixa cheia de spams e só isso, mas cometi um pecado, fui dar uma olhada no histórico e em mensagens que tinha enviado, a sensação de que ao tempo passar eu me torno mais e mais chato foi forte, bem como de que o culpado pelas coisas que acontecem (será que acotecem? ainda não sei…) sou eu, exclusivamente. O tempo muda tudo, mas alguns de forma drástica. Preciso é ver meu lugar, ou não-lugar, talvez seja a saída para isso. Não sei porque essa fé cega na possibilidade de ser feliz que só traz decepção e dor.

As vezes precisamos fazer coisas mesmo sem que a vontade para tanto seja muito forte. Hoje preciso escrever aqui, mesmo sem vontade para tanto. Talvez “verbalizando” o que anda passando na minha cabeça se torne mais fácil compreender tal fenômeno e como agir.

Minha cabeça parece que passa por uma grande tempestade, um grande furacão. Planejei o plano ideal, o perfeito, aquele que considerava inalcançável, mas de repente ele foi se tornando realidade, e estava cada vez mais perto do que sonhava. Mas isso não era mais o que sonhava, ou já não me bastava mais. E estou confuso. Sei que quero, tenho, e não tem me feito bem.

Não confio em mim mesmo, e não sei o que busco, não entendo o que sinto, e não sei como agir. Que direito tenho de exigir que saibas por que caminhos andar? Me convenço cada vez mais que nada vai funcionar antes de eu me resolver e entender de onde vem essa necessidade de sofrer, de ver o lado ruim das coisas, de ficar preso a fantasmas cuja existência tenho dúvidas.

E pra completar o caos, a tempestade, a indecisão e me deixar mais perdido, aparece um fato novo, bom e que me traz um sorriso sincero sempre que lembro. Obviamente fiz questão de fechar essa porta que podia me fazer feliz, só por orgulho. Que merda, to cansado de cometer erros por esse orgulho bobo e mais cansado ainda da minha incapacidade de voltar atrás quando errei. Não entendo porque fujo do que quero, ou do que pode me fazer feliz. Fico criando mil e um motivos pra tudo dar errado, sem a minima comprovação de que as coisas se dão assim mesmo.

Agora o que vai acontecer? Me sinto tão inútil, tão desnecessário, tão descartável que não tenho vontade de continuar essa brincadeira de viver por aí, com falsos sorrisos e falsa alegria. Tudo que me prende é um pouco fácil pra mim, mas tem pessoas presas a essa teia que não me entenderiam e sofreriam e saída que traz mais sofrimento para os que amo não é alternativa agora. Mas a vontade de continuar é infíma, a motivação nula, e dessa vez não é o medo o maior obstáculo, sou eu mesmo, minha forma de agir. Nunca vou sair desse lugar e é doído essa história de ser coadjuvante.

Acontecem coisas boas no marasmo total e quando penso que posso ser feliz por esse caminho, fica claro que não passou de mais uma ilusão, que acreditei porque sou bobo mesmo. Que merda, saber que um caminho pra ser feliz está fechado ou pior, nunca esteve aberto. Não estou acostumado com essa coisa de felicidade de um dia e não posso mais brincar disso, as feridas que são abertas são por demais doloridas pra que siga fazendo isso. Foi bom, me fez bem, me senti feliz de verdade e acreditei no início de algo muito bom. Óbvio que não né idiota, coisas muito boas não acontecem para quem não merecem, tão pouco caem do céu no nosso colo. Que merda, porque não foi só mais uma, seria bem mais fácil, assim voltava pra coisa idealizada que tenho mais forte e acreditando que esse eraq o caminho que restava a ser feliz.

Aí de repente, tenho  sinto o que achava impossível sentir e sinto o gosto de não ser tão desprezível quanto tinha certeza ser, pra no momento seguinte ver que aquela coisa de se sentir gostado não era nada mais que engodo e que é evidente que era desprezível e não vai mudar do dia pra noite por alguém que cai do céu.

Chega de falar, dói falar e dói muito mais pensar.

Vivemos bailando na conjuntura, aquela móvel que se movimenta ao prazer dos ventos e mantemos a estrutura intacta. Mas a estrutura não é fixa, quando falamos da mesma neste sentido mais psi, ela foi construída pela experiência, logo pode ser alterada, mas as defesas da mesma são fortes e se baseiam também em quem mais conhece o terreno, o nosso inconsciente que arma armadilhas pra proteger a construção. Sorte nossa que esse inconsciente não é intocável e tampouco imutável, e dificuldade para modificar é claro que estará presente, mas, quem peleia alcança, mesmo que demore. Se contentar com pouca coisa por medo de perder o que na verdade não se tem é de dar pena. Quando se pode muito, se deve lutar, pois quem luta, perde muito, mas também tem a sensação do combate que quando comparado com a inércia demonstra suas vantagens.